Leituras – Gonçalo M. Tavares (1)


 

Não havia uma única diferença histórica entre o vento que ele podia agora perceber da janela do hospital e o vento que tocara no rosto de um imperador romano. E esta imutabilidade não era um sintoma de fraqueza. Pelo contrário a impermeabilidade à história, à mudança das condições era a grande arma da natureza e, nesse sentido, aí residia o seu perigo: a ponta que queimava. Por outro lado, se os materiais e a forma de os transformar por via dessas metodologias úteis de tortura – torção, dissolução, fusão – haviam evoluído, já as paixões humanas haviam permanecido imobilizadas. Nem um sentimento novo surgira na geração de Lenz. Existiam, ao contrário do que dizia a frase bíblica, coisas novas sob o sol, o que não existia era algo de novo sob a pele. O coração entrava nos mesmos combates e atravessava as mesmas indecisões dos antigos. Claro está que a técnica e a medicina, de que ele era um fiel representante, permitiam o prolongamento das paixões; o que para Lenz apenas significava que o ser humano agora podia odiar até mais tarde.

Gonçalo M. Tavares, Aprender a rezar na Era da Técnica (2007), Regresso à calma, p.43

 

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